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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    O que aconteceu na Rússia?

    Quanto mais esse conflito dure, maior a probabilidade de um descontrole muito perigoso, que exporia o mundo a uma guerra de grandes proporções

    Yevgeny Prigozhin e Vladimir Putin (Foto: Reuters | Sputnik)

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    As mídias ocidentais e brasileiras ficaram praticamente em êxtase com a fracassada rebelião promovida por Prigozhin, chefe do grupo mercenário Wagner, que presta serviços às forças armadas russas.

    Alguns “analistas” chegaram a prever que tal rebelião era o “começo do fim” do “ditador” Putin, já que a insurreição demostrava as grandes “fraturas” existentes nas forças armadas, no governo e na sociedade russa.  

    Entretanto, a rebelião teve vida extremamente curta, com Putin retomando rapidamente o controle da situação, o que parece ter frustrado as açodadas análises dos “especialistas”.

    Evidentemente, uma rebelião desse tipo, ainda que limitada e de curtíssima duração, não é boa para imagem da Rússia e de seu governo, envolvido numa guerra complexa, que resulta em perigos para todo o mundo.  

    Mas não creio que haja elementos concretos para sustentar que a rebelião demonstra fraturas políticas expressivas e extensas na Rússia.

    Comecemos pela motivação. Prigozhin afirmou que insurreição fora ocasionada, em última instância, por um ataque do exército russo contra elementos do Grupo Wagner. Além disso, Prigozhin vinha reclamando há meses sobre uma suposta falta de armamentos mais pesados para o seu grupo. Também discordava em como a campanha vinha sendo conduzida. Enfim, reclamava autonomia, mais armamentos e, quem sabe, mais dinheiro. Quanto ao suposto ataque contra seu grupo, a análise das imagens divulgadas demonstrou que a uma acusação é de difícil sustentação, embora não possa ser descartada, a priori.  

    Mas o que parece que estava realmente incomodando Prigozhin era a exigência das forças russas de que os militares do Grupo Wagner firmassem contratos com o exército russo, submetendo-se diretamente à cadeia de comando das forças armadas oficiais.  

    Tal exigência retiraria parte significativa da autoridade do chefete sobre o grupo e, possivelmente, também parte de seu lucro, pois o pagamento seria feito diretamente aos militares que firmassem os contratos.  

    Ademais, Prigozhin tinha interesses na exploração de minas de sal e de carvão na Ucrânia. Como os “contractors” norte-americanos, queria participar decididamente dos espólios da guerra. Afinal, é um mercenário.  

    A rebelião não parece ter envolvido todo o grupo Wagner. Na realidade, as movimentações da rebelião envolveram, no máximo, cerca de 12 mil homens, menos da metade dos efetivos que o Grupo Wagner diz controlar (25 mil homens).

    Do ponto de vista militar, a insurreição não tinha a menor chance de representar uma ameaça real às forças russas oficiais, que dispõem de aproximadamente 1 milhão de homes.  A não ser, é claro, que tivessem apoio concreto nos exércitos russos. Não tiveram.  

    Os elementos do Grupo Wagner deslocaram-se sozinhos e não foram apoiados, na prática, por nenhuma tropa.

    A Força Aérea russa poderia, se quisesse, ter dizimado todo o grupo, em poucas operações. Porém, não houve embate algum.

    E não houve porque um enfrentamento ao Grupo Wagner só teria piorado a situação. Num cenário de guerra, um embate entre russos seria o pior cenário possível. Preferiu-se uma negociação rápida. Na realidade, nenhuma das partes queria uma guerra fraticida, em um momento tão delicado como esse.

    Além de não ter tido apoio efetivo nos exércitos russos, a insurreição também não teve apoio de relevo entre a maior parte da população, que viu com preocupação a curta rebelião.

     É bem verdade que o Grupo Wagner tem alguma popularidade na Rússia. Apesar de mercenários, são vistos como combatentes ferozes, que fazem bem seu trabalho. A vitória em Bakhmut, conseguida após batalhas sangrentas, demonstrou sua competência no cenário de guerra.

    Essa competência é contraposta, por alguns, na Rússia, à “inoperância” de alguns generais, que não estariam conduzindo o conflito com a mesma agressividade e empenho. Na realidade, a insurreição nutriu-se também dessa relativa insatisfação com o alto comando russo.  

    Contudo, a insurreição, como o próprio Prigozhin faz questão de assinalar de forma reiterada, não foi contra Putin.  

    Conforme o Instituto Levada Center, independente, a popularidade de Putin continua elevada, e cerca de 80% da população russa aprovam sua administração. Embora sempre se possa especular sobre tais pesquisas, não há indícios concretos, até agora, que sugiram um desgaste expressivo da imagem e da autoridade de Putin.

    Numa situação de guerra, a tendência natural é que a população apoie o governante de plantão. Evidentemente, isso poderá mudar com o tempo, caso a guerra não se resolva e a população comece a ficar saturada com os sacrifícios que o conflito impõe. Mas isso também se aplica à Ucrânia e à Europa.  

    Com respeito ao cenário de guerra, a tão famosa contraofensiva da Ucrânia, feita com apoio decidido da Otan, até agora não produziu resultados concretos e significativos. As forças ucranianas, sem muita artilharia pesada e sem uma força aérea efetiva, não estão conseguindo superar as primeiras linhas de defesa russas, consolidando, assim, uma situação de impasse militar.  

    Independentemente das análises, há uma grande lição a se tirar da insurreição do Grupo Wagner. Cenários de guerra são sempre muito voláteis e imprevisíveis. E há situações que podem escapar do controle, ainda que seja por períodos curtos. A rebelião do Grupo Wagner, mesmo que contida rapidamente, poderia ter tido consequências potencialmente desastrosas. Caso tivesse tido algum apoio nas forças oficiais, tal grupo poderia ter tido acesso a armas destruição em massa, até mesmo, em última instância, armas nucleares.

    Por isso mesmo, os esforços pela paz têm de ser redobrados. Quanto mais esse conflito dure, maior a probabilidade de um descontrole muito perigoso, que exporia o mundo a uma guerra de grandes proporções.

    Lula e o Papa têm razão.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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